Descubra como a dimensão infantil do terapeuta influencia sua escuta, ética e postura profissional. Entenda por que reconhecer a própria criança interior é essencial para uma prática clínica mais humana e consciente.
A dimensão infantil no terapeuta é um tema essencial na prática clínica, pois revela como a criança interior influencia o olhar do psicólogo diante de seus pacientes
Na cena silenciosa de cada sessão terapêutica, algo invisível se senta ao lado do clínico.
Junto dos livros, da técnica e da escuta atenta, a criança interior do terapeuta também ocupa espaço. Essa presença sutil — muitas vezes ignorada ou negada — molda profundamente o modo como o terapeuta percebe, reage e se posiciona diante do sofrimento do outro.
Segundo Tholl (2017), o contato do terapeuta com a própria criança interior é indispensável para compreender o universo emocional infantil e desenvolver uma escuta mais empática. Mas, mesmo quando o público-alvo não são crianças, essa dimensão interna continua viva — e fala, às vezes, mais alto do que o clínico imagina.
Ao iniciar a trajetória clínica, muitos terapeutas se deparam com um medo paralisante: medo de errar, de ferir, de destruir.
Essa angústia não é apenas ética — é existencial. Reflete uma fantasia tipicamente infantil: a de que se possui um poder absoluto sobre o outro.
Como apontam Costa & Dias (2005), terapeutas iniciantes frequentemente vivenciam uma tensão entre a responsabilidade e o medo da própria falha. Essa ansiedade é, em essência, o eco da criança interna que teme ser punida por transgredir, desejando desesperadamente acertar para ser amada.
Na clínica, reconhecer esse medo como voz infantil — e não como incompetência — é um passo decisivo rumo à maturidade emocional.
A criança teme errar; o adulto acolhe e segue aprendendo.
Do outro lado do espelho, há o extremo oposto — o terapeuta que carrega a ilusão de que pode salvar, curar e transformar sozinho.
Essa onipotência é disfarçada de competência, mas revela um desejo antigo: o de ser mágico, indispensável, inabalável.
O estudo Martini (2016) aprofunda essa dinâmica ao discutir terapeutas comunitários em contato com suas “crianças feridas”. Segundo o autor, quando o clínico reconhece seu próprio desejo infantil de ser o salvador, ele deixa de projetar no paciente a necessidade de ser o herói.
Assim, a cura deixa de ser um ato unilateral e passa a ser um encontro de vulnerabilidades.
A criança interior sonha ser gigante para nunca mais ser ignorada. O terapeuta maduro, no entanto, aprende que crescer é aceitar ser apenas humano.
Pouco se fala sobre o desejo de reconhecimento que permeia a prática clínica.
Quando o terapeuta se alimenta emocionalmente dos elogios do paciente, a criança ferida se revela.
Ela quer ser vista, admirada, validada — talvez por ter sido, um dia, ignorada.
O estudo Martini & Horta (2014) demonstra que a relação com a própria criança interior afeta diretamente dimensões como autoestima e estresse. Isso também vale para o terapeuta: a busca constante por validação pode ser sintoma de uma carência antiga.
A clínica, nesse cenário, corre o risco de se tornar palco de reafirmação narcisista, e não um espaço de escuta genuína.
A verdadeira força está em escutar sem precisar ser amado — sustentar o silêncio do outro sem querer preenchê-lo com aprovação.
Cuidar do financeiro com dificuldade, sentir culpa ao cobrar ou negar o valor do próprio trabalho são expressões da infantilidade emocional na profissão terapêutica.
É como se, ao entrar na clínica, o terapeuta dissesse: “Eu só quero brincar de cuidar”.
Mas, como reforçam Tholl (2017) e Costa & Dias (2005), amadurecer na profissão é também aprender a lidar com as responsabilidades materiais.
Negar o valor financeiro do próprio trabalho é negar a vida adulta — e, inconscientemente, manter-se no território simbólico da infância.
Tratar o dinheiro como tabu é deixar que a criança interior dite as regras de um mundo que exige presença adulta.
Esses sinais — medo, onipotência, carência, culpa — não desqualificam o terapeuta.
Ao contrário: revelam onde ele ainda precisa crescer.
O terapeuta que escuta e acolhe sua própria criança interior, segundo Martini (2016), torna-se mais empático e consciente de seus limites.
A maturidade emocional, portanto, não é apagar a infância, mas integrá-la — saber onde ela começa, onde termina, e quando aparece sem ser chamada.
Porque na clínica, crescer não é “deixar de ser criança”. É saber conversar com ela sem se confundir.
Reconhecer a própria criança interior não fragiliza o terapeuta — o fortalece.
A escuta se aprofunda quando o clínico conhece suas próprias dores. A presença se torna mais autêntica quando ele se permite sentir.
Como afirma Martini & Horta (2014), o contato consciente com essa dimensão interna amplia a capacidade de cuidar do outro com empatia genuína.
E quando o terapeuta acolhe a sua criança, ele transforma a clínica em um espaço de cura compartilhada — onde o humano se encontra com o humano.
Na prática terapêutica, maturidade não é apagar o passado, mas fazer as pazes com ele.
O terapeuta não entra zerado na clínica — ele leva consigo sua história, suas feridas e sua criança interior.
Os estudos de Martini (2016), Tholl (2017) e Costa & Dias (2005) reforçam a importância desse olhar integrativo.
A criança interior, quando reconhecida, não sabota — inspira.
E o terapeuta que aprende a escutá-la se torna, paradoxalmente, mais adulto, mais humano e mais profissional.
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1. O que significa a dimensão infantil no terapeuta?
Refere-se à presença simbólica da criança interior — partes emocionais, memórias e feridas do terapeuta — que influenciam sua atuação clínica.
2. Como identificar quando a criança interior está atuando na sessão?
Sinais comuns incluem medo exagerado de errar, necessidade de reconhecimento ou dificuldade em estabelecer limites.
3. É possível eliminar a criança interior?
Não. O objetivo é integrá-la, não suprimi-la. A integração torna o terapeuta mais empático e consciente.
4. O que fazer quando percebo reações infantis durante a escuta?
A autorreflexão, a supervisão e a terapia pessoal são os melhores caminhos para compreender e acolher essas reações.
5. Como lidar com a culpa ao cobrar pelos atendimentos?
Reconheça que o valor financeiro reflete o valor do seu trabalho. Cuidar e cobrar não são opostos; são expressões de equilíbrio adulto.
6. Por que é importante trabalhar a dimensão infantil para ser um bom terapeuta?
Porque o autoconhecimento é o alicerce da clínica. Quem reconhece a própria criança interior escuta o outro com mais verdade.
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